Como Aumentar a Produtividade na Metalomecânica

7
4 anos atrás

Introdução

Numa época em que se fala tanto, da escassez de mão-de-obra qualificada e da baixa produtividade da nossa indústria, convém esmiuçar algumas das causas que nos levam a este desiderato. A revolução tecnológica que aconteceu, sobretudo a partir dos meados dos anos 90, teve o condão de tornar muitas das tarefas diárias “ocultas”, ou seja, muitas das tarefas diárias dos nossos profissionais passaram a ser imperceptíveis e difíceis de avaliar. Tudo o que fazemos passou a ser complementado de forma digitalizada, por aplicações informáticas, ou parcialmente robotizadas em equipamentos CNC. Um Desenhador\Projectista em frente a um ecrã de um computador, fazendo cliques ou efectuando diferentes zooms ou um operador\programador CNC pendurado no teclado da sua máquina CNC não são sinónimos de trabalho e muitos menos de produtividade. Isto significa que já não se pode avaliar a qualidade do trabalho e muito menos a sua produtividade fazendo uma mero despiste visual.

 

Desenvolvimento

Muitas das condicionantes atuais, da baixa produtividade de alguns nossos profissionais, advém do facto do aumento drástico da amplitude funcional de alguns profissões características do sector, e um dos casos flagrantes é o dos Desenhadores\Projectistas. Vamos elencar aqui, algumas das principais competências técnicas, de estes profissionais deveriam estar dotados:

  • Os profissionais da área do Desenho, devem possuir um conhecimento elevado e amplo de todo o processo de fabrico e de montagem. Tudo começa no Desenho, por isso quanto mais aproximarmos a sequência no nosso trabalho na área do desenho do processo real de fabrico, mas informação relevante poderemos fornecer aos nossos pares na empresa ou clientes e fornecedores. Os softwares que hoje usamos não são meras ferramentas de Desenho, são sobretudo autenticas Oficinas Virtuais. É claro que esta reprodução virtual, em ambiente da sala de desenho, de tudo o que irá ser feito em ambiente oficinal significa mais trabalho, mas não nos podemos esquecer que mais importante que fazer um desenho\projecto de forma rápida é sobretudo o fazer melhor, com mais informação, mais detalhe, para que possamos ter em ambiente oficinal pessoal profissionais menos qualificado e que mesmo assim consigam reproduzir de forma autónoma e em qualidade tarefas expressas nos documentos técnicos\desenhos.
  • O departamento de Desenho\Projeto de uma tem que ter uma postura liderante, é imperioso continuar a produzir um conjunto desenhos\documentos técnicos que não reproduzem fielmente as tarefas a serem executadas em ambiente funcional, continuam a pecar por escassez de informação ou informação errónea. Os desenhos têm de identificar todas as tarefas a serem executadas, não devemos continuar a omitir determinada informação porque dizemos que o operador da máquina já sabe. Nada pode ser mais errado, sabe aquele profissional que já tem uns anos de experiência, mas alguém contratado recentemente tem muita dificuldade em interpretar a esmagadora maioria dos desenhos de fabrico das nossas empresas.
  • Em equipamentos de fabrico CNC, que lêem, em formato digital os desenhos de fabrico dos componentes a executar, por exemplo, em equipamentos de corte e gravação laser, em máquinas de oxicorte, plasma ou erosão de fio, os desenhos devem vir já perfeitamente “limpos, somente com as entidades que são usadas para executar as diferentes operações de corte e de marcação. Esta preparação do desenho inclui eliminar entidades geométricas presentes no desenho, que não fazem parte dos percursos de CNC a gerar, inclui também a definição correta dos layers que os diferentes equipamentos usam para interpretar a geometria a cortar ou a marcar. Em outras situações, o operador do equipamento CNC é forçado a converter entidades geométricas mais complexas, como são os casos das splines em polylines para que software do equipamento as possa interpretar de forma adequada. Não podemos continuar a ter, como acontece em muitas empresas, que prestam serviços de corte e gravação laser, operadores cuja sua única função diária é “limpar” e ajustar os desenhos de fabrico dos clientes para que os possam orçamentar, sabendo nós que somente cerca de 10% dos trabalhos orçamentados são executados efectivamente. Isto significa que 90% do trabalho desses operadores é infrutífero.
  • Em empresas dotadas com tecnologia CAM não é benéfico separar a área do CAD do CAM, quem desenha deve também fazer a programação CAM, ou quem faz a programação, em softwares de CAM, também deve desenhar. Em muitas casos os softwares de CAM usados tem funcionalidades muitas restritas na área do Desenho o que torna a tarefa do programador muito complexa. Os desenhadores devem ser capazes de exportar essas modelos com geometrias auxiliares que permite a esses programadores um trabalho muito simplificado e personalizado. Por exemplo, muitas das vezes o programador tem que reorientar geometricamente o modelo de CAD para o ajustar ao zero peça e a um novo sistema de eixos para maquinação, e isso já devia vir feito. Não nos podemos esquecer, que nos softwares de CAM quem determina os movimentos das ferramentas são as geometrias de CAD, se elas não existirem, temos mais dificuldade em controlar os movimentos das ferramentas. Se numa máquina de CNC pretendermos que a ferramenta faça um determinado movimento de saída, programamos nesse sentido, mas se estou a usar um software de CAM muitas vezes tenho que ter uma geometria auxiliar para me permitir esse movimento se saída, e isso já devia vir feito do desenho.
  • Em construção soldada, vê-se inúmeras vezes desenhos de conjunto, demasiado complexos, devido à quantidade de informação presente e também devido aos fatores de escala de redução elevados para caibam na folha de desenho. Se acrescentarmos a tudo isso a necessidade de representar na mesma vista elementos, como sejam o caso dos perfis metálicos, com metros de comprimento, versus, chapa fina, com milímetros de espessura o resultado é desastroso. Não duvido que os softwares de CAD representem toda a geometria em desenhos de conjunto, mas duvida que alguém consiga compreender detalhadamente a montagem, por exemplo, se a espessura de determinada componente em chapa está para dentro ou para fora. É claro que os profissionais acabam por levara a efeito as tarefas oficinais de montagem, mas só o fazem porque conhecem detalhamento o produto em causa, porque para alguém contratado recentemente pela empresa, tenho sérias dúvidas que o consigam interpretar aquele emaranhado de geometrias. Solução, usar métodos como IKEA, que nos põe a todos em casa a montar móveis complexos, criando vários desenhos de sub-montagens intermédias, de forma mais simplificada, que para além de representar mais eloquentemente o fabrico e montagem, também nos dá uma visão muita mais sequencial do método de montagem. Mais uma vez aqui do que é que efectivamente necessitamos? Necessitamos de desenhadores com um conhecimento mais aprofundado de todo o processo de fabrico e de montagem, para que consigam reproduzir fielmente todos os passos necessários.
  • No fabrico de elementos em chapa, com corte e quinagem, o cálculo do comprimento do planificado e da posição das linhas quinagem deve ser ajustado ao processo real de fabrico, não podemos continuar a ter desenhos de componentes em chapa que não correspondem aos cálculos feitos em ambiente oficinal. Na montagem de elementos em chapa, temos que muitas vezes rebarbar elementos para gerar folgas e facilitar a montagem e essas folgas poderiam já ser definidas no desenho e virem correctamente cortadas do laser. É claro que podemos sempre dizer, como vou controlar um comprimento de uma chapa às décimas com uma fita métrica? Verdade, não consigo controlar com uma fita métrica, mas consigo fazer a gravação do número do componente em chapa no laser de forma a o identificar de forma inequívoca. Imaginem um conjunto de componentes em chapa, que vou ter que montar em termos oficinais, todas numeradas de forma sequencial e de acordo com a sequência de fabrico e com elementos de ajuste, criados propositadamente, para que evitem que os operadores montem as mesmas de forma errada. Isto permitiria um trabalho oficinal equivalente à montagem de legos, ou seja muito facilitado e praticamente isento de erros.
  • Os modelos 2D e 3D criados em softwares de CAD, na área da maquinagem de peças, com tolerâncias dimensionais apertadas, estes devem ser exportados pelas cotas médias de fabrico e não exportado pelas cotas nominais. As cotas nominais não existem, são teóricas, muitas vezes estão até fora de tolerância de fabrico, por exemplo, numa cota de Ø20g6, o diâmetro de 20 está fora de tolerância. Por isso devemos exportar os nossos modelos de CAD pelas cotas de fabrico, por exemplo pelos valores médios, para que o trabalho nos softwares de CAM seja mais simplificado. Isto vai obrigar os nossos desenhadores a definir mais correctamente todo o toleranciamento e sobretudo prestar atenção a um pormenor que na esmagadora maioria das vezes ignoramos, que é acumulação de tolerâncias nos desenhos.

 

Conclusões

A falta de produtividade e as falhas na nossa indústria poderão ter várias origens, mas um departamento de desenho que não consiga reproduzir de forma fidedigna todas as tarefas de fabrico e de montagem é umas das suas principais causas. E como resolver o problema? A solução pode não ser fácil, mas passa sobretudo por conferir aos desenhadores competências profundas na área fabrico e de montagem. Não podemos exigir qualidade técnica nos seus trabalhos a alguém que tem fortes limitações, e não chega dizer “aqui os nossos desenhadores acompanham o fabrico e a montagem”, não é a mesma coisa, uma coisa é simplesmente acompanhar o fabrico e montagem, outra coisa, é ter experiência prática de trabalho, de fabrico, de montagem. A experiência prática confere-nos outra sensibilidade, outra visão qualitativa de todo o processo produtivo. Deixo para o final uma sugestão que poderá fazer toda a diferença nas nossas empresas, quando pensarmos em contratar um Desenhador\Projectista, porque não fazer esse desafio ao melhor serralheiro, ou melhor operador de máquinas da empresa para que aceite o desafio de ir para o lugar de Desenhador\Projectista da empresa? Sim, vai obrigar a uma formação adicional de Desenho a esse profissional, mas o resultado vai ser seguramente muito superior em termos de produtividade e de qualidade do trabalho final.

7 comentários

  1. Américo Costa

    Próximo artigo

    “MAQUINAGEM CONVENCIONAL EM MÁQUINAS CNC”

    Américo Costa
    https://www.linkedin.com/in/americo-costa-a329523/

  2. Fernando Oliveira

    Como aumentar a produtividade na Metalomecânica

    Como Desenhador Projetista, com 15 anos de utilizador do Software de Modelação 3D, precedidos de 25 anos, como Técnico de Fabricação Metalomecânica, tenho observado esta Lacuna, nas competências dos atuais Desenhadores Projetistas, exemplarmente descrita neste Artigo.!

    Como é referido; efectivamente, muitos dos nossos Desenhadores Projetistas, não possuem, …”um conhecimento elevado e amplo, de todo o processo de fabrico e, de montagem”…!

    Chegaram à sua profissão, como utilizadores especialistas deste Poderoso Software de desenho e, são hoje, muito eficazes a modelar as peças e, a executar os respectivos 2D, para enviar para a fabricação mas, não aproveitam todo o potencial, do Software de Modelação paramétrica, como ferramenta para melhorar os Atuais produtos ou desenvolver novas soluções.!

    Falta-lhes a Experiência profissional; do Técnico que Fabrica, Monta e, em alguns casos Utiliza…, as peças, por eles desenhadas…

    Nestes casos, que são uma larga maioria, o desenvolvimento é liderado pelo Técnico da Fabricação, perdendo-se assim, o potencial do software de Modelação 3D ..!

    – O desenhador, limita-se a passar para desenhos 2D, as soluções de desenvolvimento, apresentadas pelo Técnico da fabricação, “Desenvolvidas”, com os Tradicionais Croquis.!

    A referência neste Artigo, ao grande sucesso dos Kits dos móveis IKEA .., é elucidativa, com a referência que faz, aos “Desenhos Auxiliares de Montagem”, extremamente claros, fornecidos com o Kit de montagem dos Móveis..!

    Qual o “Segredo” para a Qualidade destes desenhos do IKEA?

    – Os Desenhadores Projetistas da Empresa, desenvolvem novos produtos, tendo em conta, o necessário desenvolvimento dos Equipamentos, Processo de fabricação e Montagem, que conhecem detalhadamente..!

    Temos que Revolucionar a Qualidade e, a Produtividade, na Metalomecânica, com Novos Programas de Formação Profissional, para os nossos Desenhadores Projectistas

    – Garantindo uma sólida Formação prática, no Fabrico das peças, na “Oficina Real” que, deverá anteceder ou, acompanhar, a Formação, na “Oficina Virtual”..!

    Os atuais Softwares de Desenho 3D, que utilizamos; estão num Nível tal de desenvolvimento que, são verdadeiramente, as referidas,…”Oficinas Virtuais” mas, são muitíssimo mais..!

    São os nossos… , “Assistentes pessoais” de Engenharia Mecânica, os Manuais e, acima de tudo, são “Laboratórios”, para ensaios Mecânicos que, permitem simular e testar as várias características da aplicação, nos Modelos 3D das peças ou, respectivos sistemas, desenvolvendo de Forma Científica as peças, com os respectivos relatórios dos modelos testados, disponíveis automaticamente, antes que sejam desenhados os 2D e, enviados para fabricação…

    Vamos dar aos nossos Desenhadores Projetistas de Metalomecânica; os Alicerces desta “Nova Profissão” …, com uma Formação prática oficinal sólida..! E, o aumento da produtividade, será uma consequência do nível da Cultura Técnica, das nossas Equipas.

  3. Vítor Marques

    Bom dia,
    Concordo com o que foi descrito na real necessidade de aumentar e dotar os projetistas de maiores valências que apenas manipuladores de Software 3D.
    Mas penso faltar um aspecto muito importante nos meios impresariais, que se chama tempo para elaboração e execução de projetos, que cada vez é mais diminuto e por isso existem as ferramentas informáticas que permitem, em ambiente de produção/ oficina, visualizar os projetos em 3D de modo a poder resolver as questões dúvias do operador/ executante. A indústria 4.0 vem a esse encontro.

    Cumprimentos,
    Vítor Marques

    • Américo Costa

      Sim, concordo Vítor Marques, a era do desenho em papel a circular pelas oficinas deve caminhar para o seu fim. O formato digital deveria imperar, os softwares de CAD já permitem exportar em formato PDF, 2D e 3D, que poderiam ser acedidos a partir de um computador, equipado com um software como o Acrobat Reader, montado junto a cada uma das máquinas.

  4. Silvio Dos Santos Silva
  5. Pedro Gaio

    Bom dia,
    Concordo plenamente com o artigo, no entanto este cenário não é mais do que o resultado do mercado. Não é mais do que os empregadores a serem vitimas deles próprios. Atualmente queixam-se da falta de conhecimento dos projetistas que quase não são mais do que utilizadores de softwares com falta de conhecimento de mecânica e processos de fabrico, no entanto também não querem pagar o valor que todo esse conhecimento envolve e que um profissional com essa qualificação merece. Não se pode querer comprar um ferrari com orçamento para um fiat uno.
    Um abraço Eng, até breve!

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